A SAÚDE DO TAMANHO DO POVO BRASILEIRO!
SAÚDE, DEMOCRACIA E SOCIALISMO
É tarefa histórica da 17a Conferência Nacional de Saúde a construção de um movimento para a
defesa da saúde e do SUS orientados para as necessidades da classe trabalhadora
O Brasil atravessa já há muitos anos um cenário de contínuo endurecimento e consolidação da agenda neoliberal. Esse quadro se agrava a partir do golpe de 2016, com a escalada do neoconservadorismo e a ascensão do bolsonarismo. Temos com isso presenciado uma ampla reversão de direitos sociais através do desmonte das políticas públicas, de amplos processos de privatização e mercantilização de instituições e bens públicos, do cerceamento à participação política dos movimentos sociais populares, do retorno do país ao mapa da fome, na reversão dos direitos historicamente conquistados do movimento feminista, LGBTI+, dos povos indígenas, das comunidades quilombolas, da população negra e periférica entre outros retrocessos. Agudizando esse cenário, vivenciamos nos últimos anos uma tragédia humanitária sem precedentes de escala global em consequência da emergência sanitária desencadeada pela COVID-19.
No Brasil a pandemia ganhou contornos de genocídio, diante da condução política do país por bolsonaros, castros, dorias, zemas, pachecos, liras, maias e alcolumbres e tantos outros. Cerca de 700 mil brasileiros morreram e nossas crônicas desigualdades sociais ampliaram-se ainda mais, pois os mais pobres foram os mais atingidos por essa calamidade.
No âmbito do SUS e do direito à saúde, as forças econômicas e políticas que encabeçam o projeto neoliberal nos legaram um conjunto de contrarreformas e políticas regressivas – das quais a emenda constitucional 95 é uma de suas principais concretizações por implementar um teto para gastos sociais – que têm provocado o desfinanciamento e o desmonte de um enorme elenco de políticas de saúde historicamente conquistadas pela população. Destacamos entre vários exemplos de retrocessos: i) regressão na Política Nacional de Atenção Básica, através de mudanças no modelo de financiamento e gestão, na transformação do modelo técnico assistencial e dos processos de organização do trabalho; ii) fortalecimento de posturas anticientíficas e negacionistas no campo da saúde; iii) ampliação da privatização de sistemas e serviços de saúde, com adoção de novos dispositivos como a ADAPS (Agência de Desenvolvimento da Atenção Primária em Saúde); iv) a saúde indígena sofreu constantes ataques, como a tentativa de municipalização do Subsistema de Saúde Indígena; v) fomento de processos de remanicomialização no âmbito da política de saúde mental, sobretudo pelo incremento e financiamento das chamadas comunidades terapêuticas; vi) fragilização
do processo de participação social em saúde; vii) amplos recuos nas conquistas provindas das lutas e nas políticas de saúde das mulheres, na saúde da população LGBTI+, na saúde da população negra e quilombola etc.
O Movimento da Reforma Sanitária e os militantes que atuam em defesa do SUS e contra a
privatização e mercantilização da saúde têm batalhado e resistido a esse projeto neoliberal e
neofascista para a saúde. Neste contexto, o processo eleitoral de 2022 foi extremamente importante para rearrumar as forças políticas e as trincheiras de luta. Sabemos, porém, que não é pela via do reformismo, e nem apenas pela ampliação das vias democráticas institucionais que movimentaremos as estruturas, mas sim através de um projeto socialista concreto, emancipador. O que presenciamos, apesar da eleição da frente em torno de Lula, é o bolsonarismo se mantendo enraizado na sociedade; o congresso nacional eleito sendo o mais conservador desde a ditadura civil militar brasileira; e o agronegócio, os rentistas da Faria Lima e as demais frações do capital atuando para emparedar o governo eleito e impor suas pautas. Temos acompanhado novas pautas contrárias às necessidades da classe trabalhadora, como o debate sobre o novo arcabouço fiscal proposto pelo Governo Lula – e piorado ainda mais no Congresso – que mantém a racionalidade de austeridade fiscal no âmbito da política econômica, com impactos no financiamento das políticas de saúde; os ataques aos Ministérios e às pautas do Meio Ambiente e dos Povos Indígenas; à tramitação da proposta de estabelecer um Marco Temporal na demarcação de terras indígenas.
Este grave e dramático cenário provoca a todos que constroem o SUS e lutam por uma nova sociedade que assegure a cada um de acordo com suas necessidades. A 17a Conferência Nacional de Saúde se insere nestes marcos políticos e históricos.
É tarefa histórica de cada participante da 17a se pautar por proposições e alternativas coerentes e objetivas que modifiquem a materialidade das condições de produção de vida, bem estar e saúde na estrutura da sociedade. É preciso ter como horizonte a constituição da hegemonia dos interesses da classe trabalhadora, e como centro das lutas a construção de um SUS maior, 100% público, estatal, descentralizado, intersetorial, interseccionalizado por questões de classe, gênero, raça/etnia e território, bem como a luta por melhores condições de vida e trabalho para toda a população brasileira. Os tempos exigem dos lutadores do SUS uma participação ativa, emancipatória, que confronte a ordem do capital e seus processos alienantes. É imperativo também considerar que a saúde vai bem mais além do acesso a serviços e à organização de um sistema de saúde. Ela é resultante dos processos econômicos, sociais, culturais, históricos, políticos e subjetivos que impactam o cotidiano de cada trabalhadora e trabalhador, como: as condições de moradia, como nas favelas, periferias, ocupações, aldeias, quilombos, assentamentos, comunidades rurais e acampamentos; o sistema de mobilidade urbana e de deslocamento entre casa, trabalho e lazer; as condições econômicas e direitos trabalhistas, o nível de empregabilidade, de salário e renda das trabalhadoras e trabalhadores; o direito e acesso ao lazer; as diversas formas de violência tais quais a policial, homicídios, gênero e raça/etnia, acidentes de trânsito e de trabalho; o acesso à educação pública e de qualidade; as implicações estruturais de desigualdade relativas a gênero, orientação sexual, identidade de gênero, bem como de raça/etnia e território; a segurança alimentar e nutricional; o acesso à água e ao saneamento básico, entre outras dimensões da vida social.
Sendo assim, as formulações e propostas da 17a precisam apontar para o enfrentamento de cada uma destas dimensões, fundamentais para garantir condições dignas de vida para toda a população, e para superação do modo de produção capitalista.
O SUS é um legado das lutas pela construção de um sistema de saúde público e ampliado, articulado com a busca das mudanças que revertam a estrutura social e econômica capitalista que suga a vida da classe trabalhadora e é produtora de adoecimento e mal estar.
A luta pela vida e pela saúde pode assim ser sintetizada na consigna “saúde, democracia e socialismo”!
PROPOSTAS DO SETORIAL DE SAÚDE DO PSOL PARA A 17a CONFERÊNCIA NACIONAL DE SAÚDE, ORIUNDAS DA CONFERÊNCIA NACIONAL LIVRE “A SAÚDE DO TAMANHO DO POVO BRASILEIRO!”
Eixo temático: “Garantir direitos e defender o SUS, a vida e a democracia”
Diretriz: A saúde do tamanho do povo brasileiro: com alternativas coerentes
e objetivas em meio à totalidade de um programa de transição socialista
como projeto para o país, com acessibilidade ampliada e qualificada;
financiamento adequado; políticas produtivas e de ciência, tecnologia e
inovação em saúde orientadas pelas necessidades sociais da classe
trabalhadora em todas suas especificidades; articulação intersetorial
concreta, com o SUS como política de Estado, 100% público e estatal, e
proteção e defesa irrestritas do meio ambiente.
1) SUS ENQUANTO POLÍTICA DE ESTADO, 100% PÚBLICO E ESTATAL: A LUTA PELA SAÚDE COMO DIREITO DE TODA A GENTE
Criar incentivos específicos a estados e municípios onde a contratação de trabalhadores,
bem como a gestão, seguem modelos privatizados ou orientados pelo direito privado,
passem a implementar planos de transição para um sistema de gestão totalmente pública,
direta, com reincorporação progressiva dos serviços públicos administrados por terceiros e
gradual encerramento de todas as formas de privatização e terceirização da saúde. E deste
modo, evitar o processo de desorganização e descontinuidade dos serviços, e garantir a
proteção às trabalhadoras e trabalhadores contratados por essas empresas. Em
complemento, revogar as leis que criam os diversos modelos de gestão privatizantes do
Estado brasileiro, bem como a reforma trabalhista, que previu diversas formas de
contratação de força de trabalho precarizantes e ultrajantes da condição humana, como a
pejotização e a uberização, que vêm sendo amplamente utilizadas pelas empresas
contratadas pelo Estado brasileiro, incluindo prefeituras e estados.
2) AMPLIAR E QUALIFICAR O ACESSO À SAÚDE
Desenvolver um Plano de Ação com apoio de instituições públicas e movimentos sociais
que contemple estratégias para a efetiva implementação das políticas de equidade e de
cuidado integral: da população negra; LGBTI+; das pessoas com deficiência; dos povos do
campo, floresta e das águas; das populações tradicionais ou historicamente
marginalizadas, como indígenas, caiçaras, quilombolas, ciganos; nas periferias, favelas,
ocupações urbanas e população sem-teto; das populações migrantes e refugiadas; da
população privada de liberdade; dos trabalhadores e trabalhadoras sexuais; dos
adolescentes em conflito com a lei, entre outras populações vulnerabilizadas e
negligenciadas, buscando o fortalecimento da prática de equidade e integralidade na
gestão e na prestação dos serviços públicos, e o rompimento com modelos de organização
da saúde que legitimam uma sociedade voltada para a reprodução de processos de
exploração do trabalho e de subjugação aos interesses do capital.
3) FINANCIAMENTO DO SISTEMA DE SAÚDE BRASILEIRO
Suspender a anistia das dívidas de planos e operadoras de saúde, assim como a garantir
100% do ressarcimento ao SUS, inclusive retroativo, por atendimentos realizados em seus
serviços a beneficiários de planos e seguros de saúde; buscar mecanismos que evitem ou
diminuam o uso da justiça pelas operadoras de planos privados de saúde para judicializar a
cobrança de suas dívidas para com o setor saúde, postergando o pagamento dos débitos.
Assim como também extinguir gradativamente as renúncias fiscais para Hospitais
Filantrópicos, Indústria Farmacêutica e os subsídios para operadoras de planos privados e
seguros de saúde, tendo como horizonte o fim de todo tipo de subsídio público direto ou
indireto ao setor privado na saúde incluindo também o fim do dinheiro público indo para
as comunidades terapêuticas.
4)SOBERANIA DO SUS: POR NOVAS POLÍTICAS PRODUTIVA E DE CIÊNCIA, TECNOLOGIA E INOVAÇÃO EM SAÚDE ORIENTADAS PELAS NECESSIDADES SOCIAIS DA CLASSE TRABALHADORA.
Tornar 100% público todo o ciclo de inovação e produção de medicamentos, vacinas,
insumos, serviços, soluções e tecnologias para a saúde, visando ampliar o acesso a todos
os produtos necessários para a saúde da população brasileira e a garantia de maior
autonomia e suficiência do Estado frente ao mercado, buscando superar a crônica
dependência e subordinação ao setor privado nacional e, principalmente, internacional.
Nesse sentido, é imperativo instituir programas e políticas de indução e incentivo à
pesquisa, sobretudo a produtos mais diretamente vinculados à carga de doenças da
população brasileira e às doenças negligenciadas pelo capital, valorizando saberes e
tecnologias tradicionais e associadas à biodiversidade brasileira. Assegurar que o acesso
final do conhecimento seja livre, aberto e de domínio público, autônomo e protegido dos
interesses do setor privado, bem como que as tecnologias desenvolvidas sejam
direcionadas para o acesso universal e público aos usuários do SUS. Implementar ações de
tecnologia da informação e comunicação para a melhoria da atenção à saúde, aos
profissionais e gestores que deverão ser capacitados e sensibilizados para utilizá-las
adequadamente, junto aos usuários.
4) A DEFESA DO MEIO AMBIENTE E A GARANTIA DE SAÚDE
Fiscalizar os grandes empreendimentos e indústrias para controle da poluição atmosférica,
hídrica, sonora, dos solos e alimentos, e também desenvolver articulação intersetorial para
mapear: locais de moradia, territórios vulnerabilizados a desastres ambientais e climáticos,
locais com grande atividade industrial com emissão de efluentes, locais possíveis
de inundações, áreas com presença de mineração e contaminação por metais pesados.
Nesse sentido, é preciso propor e implementar políticas de combate ao racismo ambiental
em suas diversas dimensões; e de “prevenção”, mitigação e/ou reparação de danos;
promover o fortalecimento da estrutura, integração e ações de vigilância em saúde e
redução da subnotificação de casos de agravos e doenças, incluindo aqueles resultantes de
situações decorrentes questões ambientais, incluindo acidentes de trabalho e intoxicações
exógenas. No tripé ambiente – homem – animal incluir políticas públicas de rede proteção
animal para seres vivos em vulnerabilidade, animais em extinção, fim do tráfico de animais
silvestres e da caça ilegal.